A
mais recente onda de violência em Paris, capital francesa, é o destaque
principal da imprensa mundial. Podemos afirmar que na atualidade existem fatos
que podem ser debatidos por bilhões de pessoas ao redor do mundo, isto graça ao
estágio de desenvolvimento dos meios de comunicação, que determina as
conversas, sentimentos, pensamentos de indivíduos vivendo na Austrália, na
Bolívia, Singapura, Rússia, Nova York, etc. Portanto, o poder dos meios de
comunicação em difundir notícias e determinar temas relevantes de serem
debatidos é o ponto de partida para compreendermos um aspecto da realidade
social contemporânea, realidade esta que alguns chamam de “capitalismo global”[1].
Qual aspecto que aqui queremos evidenciar? Aquele que trata dos chamados
atentados terroristas, nome genérico para atos de violência cometidos por
grupos religiosos identificados com a religião islâmica. Antes se faz
necessário notar que a palavra terrorista já foi utilizada em outros contextos
históricos para designar outros grupos, tais como tendências do movimento
anarquista na virada do século XIX para o século XX, grupos de esquerda durante
a ditadura militar no Brasil nas décadas de 1960/80, militantes anti-apartheid
na África do Sul, grupos de esquerda da Itália dos anos de 1970, jovens
palestinos, etc. Desde o início dos anos de 1990 a palavra terrorista é quase
sinônimo de islâmico, mulçumano, isto é, vincula-se o terrorista aos membros da
religião que domina o norte da África, o Oriente Médio e importantes regiões da
Ásia, além de formarem extensas comunidades em países do Ocidente.
Quando
surge historicamente a questão do terrorismo islâmico? A primeira grande ação a
repercutir mundialmente ocorreu dentro do estacionamento das torres gêmeas, com
a explosão de carros bombas em 1993. No ano seguinte foi a vez da Associação
Mutual Israelita na Argentina explodir pelos ares. Nos anos seguintes as
explosões foram em embaixadas dos EUA em países africanos. Assim se fez a fama
nos noticiários de nomes como Osama Bin Laden, que simbolizou a nova geração de
terroristas. A década de 1990 é o período histórico imediatamente posterior ao
fim da Guerra Fria, do esfacelamento da União Soviética e de toda uma geração
de terroristas “comunistas” que ganharam vida nos filmes de Hollywood. Os EUA
já não tinham mais um inimigo comum que representava os valores opostos à sua
civilização, mas como veremos é necessário tal figura.
Pela
ousadia do evento e a repercussão mundial causada, o impacto dos aviões contra
as Torres Gêmeas em 2001 abriu uma nova era de conflitos sociais. Com o término
da Guerra Fria, os EUA tinham agora condições de avançar e conquistar novos
mercados em regiões que antes estavam sob controle ou influência direta da
União Soviética, notadamente o leste europeu, o sudeste asiático e países da
região do Oriente Médio. Já nos anos de 1980 os EUA armaram e treinaram Sadam
Hussein, Osama Bin Laden, as lideranças do Boko Haram, assim como fizeram com
as forças militares que atuaram na repressão e nos massacres aos movimentos
sociais na América Latina durante o século XX, e ao redor do mundo, ainda hoje.
O objetivo inicial de treinar grupos de origem islâmica era o de conter o
avanço das forças imperialistas da União Soviética, mas acabada a URSS sobraram
armas e milhares de assassinos bem treinados. Com o avanço do capitalismo para
as novas regiões, os grupos antes treinados passaram a se opor ao modo de vida
capitalista e aos valores representados pelo ocidente, o exemplo mais
consagrado pelo sucesso foi a organização Talibã (estudantes na língua pachto)
que governou o Afeganistão de meados dos anos de 1990 até o ano de 2001.
Feito
este breve e sumário roteiro histórico voltemos à questão inicial: os atentados
terroristas como tema mundial. O que significa os atentados terroristas serem
objeto de conhecimento instantâneo e quase-universal? Significa que uma
corrente de opinião se forma sobre o tema, sendo pois hegemonizada e controlada
pelos meios de comunicação em massa, que estão nas mãos do capital comunicacional
oligopolista internacional. Inseridos no contexto histórico que apontamos (a
relembrar: avanço do mercado capitalista para novas regiões do mundo, hegemonia
do império estadunidense, milhares de forças paramilitares armadas e treinadas)
os atentados terroristas (uso da violência para exterminar vidas civis) são
expressão da disputa de forças entre o império dos Estados Unidos e povos
insubordinados, que enfrentam o avanço do mercado capitalista sobre sociedade
ainda não totalmente capitalistas, e totalmente dominada por valores culturais
pré-capitalistas, marcados principalmente pelo predomínio da ideologia
religiosa.
O
nosso ponto de partida nos dá representações evidentes: os terroristas são
fundamentalistas islâmicos. Essa representação é transmitida, sobretudo, pelos
meios de comunicação (mas também por intelectuais – como Samuel Huntington e
sua ideia de choque de civilizações que defende que os povos de cultura
islâmica não possuem condições para absorver os valores ocidentais – por
políticos, pela burocracia do estado com seus militares e burocracia civil,
organizações da sociedade civil, etc.). No universo de informações veiculadas
dois pontos são o eixo: terrorismo e islâmico. São as duas informações básicas
que servem para formar opinião e simultaneamente desinformar das verdadeiras
determinações sobre algo, posto que de um lado, apresenta os autores do fato, e
por outro lado, produzem confusões generalizadas sobre os acontecimentos. Como
era de se esperar, a notícia simplesmente apresenta o ocorrido, trata-se do
mecanismo básico para finalizar moldando uma opinião: o fundamentalismo
islâmico é a rejeição dos valores ocidentais, da democracia, do capitalismo,
das instituições.
Nos
atentados de Paris nessa sexta-feira 13 de 2015 os culpados foram prontamente
identificados (e até mesmo no tweeter os prováveis responsáveis assumiram a
autoria): o grupo terrorista Estado Islâmico, também chamado de Isis (em
inglês) ou Daesh (árabe). A informação não é questionada, é modelada,
reproduzida e assimilada em todas as regiões do mundo. O principal agente
transmissor são os meios de comunicação em massa. As pessoas têm então contato
com o que aconteceu através das notícias veiculadas, desta forma as opiniões se
formam por meio dos meios de comunicação. O que são as opiniões? Segundo Nildo
Viana, opiniões são “um conjunto de ideias (bem como afirmações e posições)
expresso pelos indivíduos sem maior coerência, rigor, fundamentação, sendo
geralmente substituíveis com relativa facilidade” (VIANA, 2015a). Conforme a
torrente de informações obtidas, e geralmente tais informações são simples, com
poucas variações de conteúdo e reforçando uma ideia básica, os indivíduos
moldam suas opiniões, constantemente reproduzindo o que assimilou de forma não
refletida e por vezes sem coerência com outras opiniões expressadas. Desta
forma, os meios de comunicação são um dos principais agentes, ou forças de
formação de opinião, com força sobretudo em momentos de crise, acontecimentos
dramáticos, etc.
A
partir deste ponto podemos avançar para a segunda questão por detrás da
corrente de opinião que se forma diante de determinados acontecimentos: a
criação de um inimigo imaginário. Partiremos aqui da ideia defendida por Nildo
Viana sobre o que é um inimigo imaginário. Para este sociólogo inimigo
imaginário a “princípio pode ser definido com um
grupo social que é considerado inimigo e que, portanto, deve ser combatido, sob
formas variáveis e que não é um verdadeiro inimigo na realidade concreta, por
isto ele é “imaginário”” (VIANA, 2015b). Tomando as palavras por suas
definições Viana afirma ser necessário levantar algumas questões para entender
como se criam os inimigos imaginários: quem produz o inimigo imaginário? Quais
são os grupos sociais que podem se tornar inimigos imaginários? Em que contexto
o inimigo imaginário se torna alvo da coletividade? (VIANA, 2015b).
Os
inimigos imaginários são criados pela classe dominante “visando desviar a
atenção para este suposto inimigo (...) é uma forma de deslocar o conflito de
classe para um outro tipo de conflito (nacional, racial, religioso, etc.)”
(Idem). Substitui-se o inimigo real pelo
imaginário, e com isso todos os conflitos concretos e as formas de solução,
criando desta forma obstáculos para a ação da classe revolucionaria: descobrir
a realidade e transformar tal realidade. Assim, quem cria os inimigos
imaginários são os membros do estado, os meios de comunicação, a classe
dominante, a intelectualidade. Os inimigos imaginários em potencial numa dada
sociedade são os grupos que carregam em si um histórico de preconceito,
marginalização, oposição à ordem vigente e ao status quo. São grupos políticos,
imigrantes, grupos étnicos, sexuais, religiosos, etc. A estes grupos são
atribuídos a culpabilidade, a periculosidade, a inconfidência (não-confiança) e
o exotismo (Idem).
O capitalismo global, ou regime de acumulação integral, tem
em sua força de expansão a ação do neoimperialismo, isto é, por meio de
políticas militares, organizações internacionais, tratados econômicos os
estados imperialistas retomam uma política agressiva de imposição dos
interesses do capital transnacional sobre os países subordinados, buscando
ampliar a integração ou efetivar a integração ao mercado mundial nos países em
estágio de capitalismo pouco desenvolvido. A política externa dos países
imperialistas é a continuidade de sua política interna, buscando efetivar os
interesses de suas classes dominantes. Para tanto, as sociedades internas de
diversos países são manipuladas conforme os interesses do centro imperial, daí
que constatamos que os EUA invadem países se justificando na defesa da
democracia ou dos direitos humanos e em outras regiões apoiam a consolidação de
ditaduras.
No caso dos países do Oriente Médio as políticas
imperialistas buscam afirmar o controle sobre as fontes energéticas, ampliar o
mercado consumidor, intensificar o processo de proletarização das populações
nacionais (que em grande parte vêm de tradição tribal, de seitas) e impor
governos alinhados com as políticas imperialistas. Esse processo é muito
conflituoso, pois se de um lado, governos com características autocráticas
(Arábia Saudita) e ditatoriais (Kwait) mantém-se firmes com apoio dos EUA, por
outro lado, mudanças de lideranças, grupos e partidos no poder foram alteradas
desde o processo de revolta popular iniciado no ano de 2011 denominado de
Revolta Árabe, que tiraram do poder ditadores que se assentavam a décadas tais
como Mouamar Khaddafi (Líbia), Hosni Moubarak (Egito) e Ben Ali (Tunísia).
Esses levantes se demonstraram um fato inesperado para as forças imperialistas,
pois além de derrubarem governos que mantinham a fonte do petróleo, ameaçou as
lideranças políticas que estavam subordinadas aos interesses de Washington, tal
como Arábia Saudita, Bahrein, Kwait.
As revoltas árabes por sua extensão, radicalidade (sem
lideranças, seculares, reivindicações políticas e por melhorias nas condições
de vida) e força (vários governos derrubados) apresentaram ao mundo outra
feição das sociedades árabes, a força do proletariado em Alexandria, a força
dos jovens no Cairo, das massas superexploradas da Líbia, da Tunísia, da
inicial solidariedade internacional de organizações dos trabalhadores contra o
governo de Bashar Al-Assad na Síria, ampliou a força dos povos curdos, ao que
parece fez emergir uma nova vida social em Kobane (pelas notícias que de longe
chegam, se bem que ainda sem muitas confirmações). Mas posterior à Primavera
Árabe veio o Inverno Imperialista e com ele o Estado Islâmico, produto direto
do apoio financeiro e militar dos países imperialistas (EUA, França,
Inglaterra). Pois de onde viriam os modernos armamentos do EI? Sua moderna
frota de caminhonetes japonesas, seus sofisticados sistemas de filmagem,
gravação e roteirização dos massacres cometidos contra suas vítimas? Foi o
apoio a obscuras forças paramilitares na Síria e no Iraque que possibilitou as
condições para o surgimento do EI como um racha da Al Qaeda, que por sua vez
tinha sido treinada e financiada pela CIA em fins dos anos de 1970 e começo dos
anos de 1980.
O inimigo imaginário que as classes dominantes querem
construir sobre a figura do islamismo busca confundir e ocultar os verdadeiros
responsáveis pela barbárie que se espalha pelo mundo. Mas não podemos aceitar
as correntes de opiniões que se forma, nem tampouco silenciarmos sob a onda de
revanchismo e ignorância que se espreita. A luta cultural contra as ilusões
criadas pela classe dominante requer considerarmos os movimentos políticos que
acontecem pelo mundo, manifestarmos solidariedade e combater toda forma de
racismo e xenofobia opondo-nos por meio da solidariedade internacional a todos
os movimentos sociais que contestem a ordem estabelecida e apontem para novas
relações sociais. O passado deve ser combatido, junto com todas as forças que
ele representa.
Diego Marques, 14 de Novembro de 2015.
Referências
bibliográficas
VIANA, Nildo. As representações cotidianas e as correntes
de opiniões. In Revista Espaço Livre, Vol. 10, nº 9, jan/jun. 2015a.
VIANA, Nildo. A invenção do inimigo imaginário. Disponível
em http://informecritica.blogspot.com.br/2011/04/invencao-do-inimigo-imaginario.html
Acessado em 14 de Novembro de 2015b.
[1][1]
Usaremos aqui essa expressão tendo em vista a capacidade que ela tem de fazer
as pessoas assimilarem o fenômeno que queremos explicar, isto porque pelos
objetivos do texto buscamos nos posicionar diretamente sobre os fatos aqui
relatados para um público mais amplo. Contudo, atentamos para os que nos leem,
que essa ideia de capitalismo global possui diversos problemas, pois não dá
conta da especificidade do momento atual do capitalismo, na medida em que
trata-se do período de acumulação integral, intensificação da repressão,
estados neoliberais, neoimperialismo, ideologias pós-modernas entre outros
fenômenos, que são sinteticamente explicados na obra de Nildo Viana O
capitalismo na era da acumulação integral.
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